No último dia 17 de dezembro o Brasil perdeu seu maior gênio carnavalesco, o homem que revolucionou o desfile das escolas de samba, que proporcionou alguns dos mais belos e inacreditáveis momentos do carnaval, imagens mágicas gravadas de maneira indelével na memória de toda a nação. Lembramos aqui aquela que talvez seja a imagem mais forte de todas, o desfile da Beija-Flor de 1989 - Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia. O desfile do Cristo Redentor vestido em roupas de mendigo e que, proibido pela justiça, desfilou envolto em lona preta. A inscrição: "Mesmo proibido, olhai por nós", multiplicou ainda mais a força do arro original.
O texto é de Gabriel Deslandes:
"O início do desfile foi, sem dúvida, a imagem mais impactante da história do carnaval carioca. Todos aqueles que tanto criticaram João por não saber trabalhar com um orçamento reduzido calaram-se. Tratava-se de uma imensa ala de mendigos, todos vestidos com farrapos retirados do próprio lixo, ladeando o abre-alas envolto em sucatas com o Cristo proibido. Acredito que ninguém jamais imaginaria assistir à suntuosa Beija-Flor de Nilópolis trajada com estopa e trapos velhos. Tamanho choque provocado pelo conjunto da escola foi suficiente para fazer todas as arquibancadas virem abaixo."
"A segunda alegoria, denominada Convite, trazia as seguintes inscrições: Mendigo, desocupados, pivetes, meretrizes, profetas, esfomeados e povo da rua. Tirem dos lixos deste imenso país os restos dos luxos… Façam suas fantasias e venham participar deste grandioso Bal Masqué! A partir deste momento, os excluídos carnavalizados seguiram a proposta da escola e saíram para revirar os entulhos em busca das “coisas que brilham”. Um detalhe a ser salientado é que cerca de 500 espectadores que se amontoavam no Viaduto São Sebastião, ao lado da Marquês e Sapucaí, arrobaram os portões dos setores 7 e 9 do Sambódromo e foram preenchendo os espaços vagos nas arquibancadas. Outra observação interessante é o fato de que toda a diretoria da Beija-Flor, inclusive o carnavalesco, desfilou com um uniforme alaranjado propositalmente semelhante à roupa dos garis da COMLURB, a companhia de limpeza do Rio."
Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia
"Após uma abertura histórica, o segundo setor do desfile passou a retratar o luxo acerbado da aristocracia medieval através de fantasias multicoloridas. Despontaram críticas rígidas à luxúria da Igreja Católica, a mesma instituição que interveio no trabalho do João e que há séculos está afundada em um mar de hipocrisia, na qual os altos membros do clero vivem adornados no vil metal e têm suas catedrais cravejadas das pedras preciosas obtidas com os dízimos de seus fiéis. Não foram esquecidos os quatro cavaleiros do Apocalipse, cercados por arames farpados e tanques de guerra cenográficos, em representação ao lixo da guerra. O setor dedicado ao lixo do sexo trouxe uma aglomeração de loucos e prostitutas deleitados sobre uma sauna romana em um tempo em que a promiscuidade já se tornara algo usual e inquestionável. Com figurinos preto-e-brancos feitos de papéis de jornais, a escola também surpreendeu na crítica à imprensa marrom, acusada de sensacionalismo e de idolatrar acontecimentos negativos. Como não poderia faltar, eis que surge o setor do lixo da política, inteiramente vestido de verde e amarelo, com direito a um teatro de revista no Planalto Central e uma réplica perfeita do Senado Federal, seguido de referências ao lixo dos brinquedos, em uma menção ao excesso de violência nos brinquedos atuais, e ao lixo da feira, onde desfilaram belissimamente as baianas da escola, protestando contra o número absurdo de alimentos que são desperdiçados em um país onde ainda há pessoas vítimas da fome. O desfile foi encerrado pelo irreverente carro O banquete dos mendigos, composto pelos restos de comida do Bal Basqué e repleto de Exus e pombas-gira. Com uma bateria de atuação espetacular e um samba-enredo envolvente, foi o fim de um desfile mágico, um momento apoteótico do carnaval. Uma apresentação emocionante, única, vista por muitos como a melhor da história."
Desfile das Campeãs, quando o povo removeu a lona do Cristo
"Cristo Mendigo, proibido pela Justiça, em dois momentos. Primeiramente, a breve entrevista de Joãosinho Trinta ao repórter Jânio Nazareth, da TV Manchete, minutos antes do começo do desfile da Beija-Flor. Depois, no Sábado das Campeãs, quando os componentes da escola, por conta própria, começaram a retirar a lona preta que cobria a imagem em meio ao desfile, com direito ao êxtase completo de Fernando Pamplona."
O texto de Gabriel Deslandes pode ser lido na íntegra, AQUI
O restante do desfile da Beija-Flor pode ser visto, AQUI
Um comentário:
Ficou para história!!
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