Millôr não inventou a roda, mas mudou-a. Anterior a ele, o humor crítico da sociedade e da política era restrito aos grandes caricaturistas e chargistas, como Ângelo Agostini, Nássara e J. Carlos ou a sátiros como Barão de Itararé, Bastos Tigre e Juó Bananére. Millôr ampliou essa percepção, mostrando uma visão oblíqua do humor, conferindo-lhe um caráter multifacetado e mostrando que não há classificações ou subdivisões possíveis. O humor pode estar no traço, mas está também nas letras, no teatro, na poesia, no soneto, no aforismo, no haicai. Assim, o brilho do humorista Millôr se confundiu com o do dramaturgo, do jornalista, do cronista, do cartunista. E também do linguista. Com aforismos elípticos, jogos de palavras e trocadilhos surrealistas, sua desobediência sintática e semântica o permitiu brincar com as palavras e com as contradições da língua. Sem impor seu estilo como norma, passou por cima das normas do estilo, ignorando regras gramaticais e criando neologismos. Vem daí a sua auto-definição: “um escritor sem estilo“.
Tudo o que foi feito de melhor no humor nos últimos cinquenta anos provavelmente é uma variável (ou resultante) de um conceito que passou pelas suas mãos, com maior ou menor grau de influência. A exemplo do que Machado de Assis é para a nossa literatura ou Heitor Villa Lobos é para a música brasileira, Millôr Fernandes é para o humor brasileiro: um cânone. Um dos maiores gênios de seu tempo, uma referência atemporal. E se, em vida, ele certamente negaria o título por uma questão moral, cabe aos que aqui ficaram reconhecê-lo como tal.
Texto de Diogo Sales, AQUI
Site oficial de Millôr Fernandes, AQUI
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